Novos diálogos entre o ministro da Justiça, Sergio Moro, e integrantes da força-tarefa da Lava Jato —vazados por uma fonte anônima ao The Intercept Brasil e publicados neste domingo em parceria com o jornal Folha de S.Paulo—, mostram que o ex-juiz orientou os procuradores da operação a tornarem públicos dados sigilosos que envolviam contratos da Odebrechet na Venezuela. “Talvez seja o caso de tornar pública a delação dá Odebrecht sobre propinas na Venezuela. Isso está aqui ou na PGR?”, teria afirmado Moro ao chefe da força-tarefa de Curitiba, Deltan Dallagnol, em mensagem enviada em 5 de agosto de 2017 pelo Telegram. De acordo com a reportagem, orientados pelo ex-magistrado, os procuradores em Curitiba “dedicaram meses de trabalho ao projeto e chegaram a trocar informações com procuradores venezuelanos perseguidos por [Nicolás] Maduro”, como reação ao endurecimento do regime chavista contra membros do Ministério Público do país. “Haverá críticas e um preço, mas vale pagar para expor e contribuir com os venezuelanos”, teria dito o procurador.

A reportagem abre um capítulo internacional no escândalo, que vem sendo destrinchado desde 9 de junho, inicialmente pelo The Intercept, que posteriormente envolveu a Folha, a Veja e outros parceiros. Moro e os integrantes da Lava Jato, por sua vez, não reconhecem a autenticidade das mensagens vazadas. Os novos vazamentos chegam também no mesmo dia em que uma pesquisa Datafolha revela que a maioria dos brasileiros desaprova a conduta de Moro, embora a maioria não veja razões para que ele deixe o cargo de ministro e considere justa a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva —a principal sentença tomada pelo ex-magistrado quando à frente da operação. Apesar das consequências jurídicas ainda incertas (sobretudo porque os próprios veículos de comunicação têm reiterado que o conteúdo entregue a eles é vasto e muito ainda precisa ser destrinchado pelos jornalistas), alguns juristas veem na relação entre Moro e os procuradores razões para a defesa dos acusados pedir a revisão de processos decididos pelo então juiz, por considerá-lo parcial.

A Odebrecht reconheceu em 2016 ter pago propina para fechar contratos com 11 países além do Brasil, entre eles a Venezuela, Entretanto, o acordo fechado pela construtora (assinado por autoridades brasileiras, norte-americanas e suíças) previa a garantia de sigilo do caso pelo Supremo Tribunal Federal e que as informações só poderiam ser compartilhadas com investigadores dos países se não houvesse consequências contra a empresa e seus executivos. De acordo com a reportagem, os procuradores debateram por meses a viabilidade de quebrar o sigilo do acordo e as consequências políticas da ação, tanto no Brasil quanto no país vizinho. Alguns manifestaram, inclusive, a preocupação de uma eventual quebra de sigilo provocar uma “convulsão social e mais mortes” na Venezuela (segundo teria escrito o procurador Paulo Galvão). “Imagina se ajuizamos e o maluco manda prender todos os brasieliros [sic] no territorio [sic] venezuelano”, respondera o procurador Athayde Ribeiro Costa.

Apesar de terem sido orientados por Russo (apelido que a força-tarefa usa para se referir a Moro) a revelar o teor das delações sigilosas da Odebrechet, a Lava Jato esbarrou em algumas dificuldades para colocar a ideia em ação. Um dos obstáculos teria sido a falta de interlocutores do Ministério Público na Venezuela, após a procuradora-geral Luisa Ortega Díaz ter sido destituída por Nicolás Maduro. O regime a acusara de chefiar um esquema de extorsões (o que ela nega), e a ex-procuradora-geral venezuelana se refugiou na Colômbia. Outra dificuldade é que os membros da força-tarefa também não poderiam contar mais com a ajuda de Moro, que por fim deixou o cargo para assumir um cargo no Governo Bolsonaro. Também encontraram resistências no Supremo Tribunal Federal, diz a Folha.