Por Matheus Leitão / O Globo
Em relatório apresentado pela Polícia Federal no fim do mês de agosto, a equipe da Operação Manus cita ligação em que Andressa Alves, filha do ex-ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves, diz que é contra a transferência do pai para um presídio em Brasília.
A ligação foi feita no dia 23 de agosto entre Andressa e Eduardo Alves, outro filho do ex-ministro, preso em junho após a operação que investigou corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro na construção da Arena das Dunas, em Natal (RN).
Andressa deixa claro que não concorda com a “transferência do processo” para Brasília, já que a mudança também levaria à mudança de seu pai de Natal para um presídio na capital federal.
Andressa conta ao irmão que o pai deixou a decisão sobre a transferência do processo em suas mãos, para que ela e a esposa do ex-ministro, Laurita Arruda, conversassem sobre o assunto. “Meu pai falou que não tem estrutura emocional pra tomar uma decisão dessa, que era pra ‘mim’ ligar pra Laurita, e eu e ela decidir isso”, comenta.
Em outro momento da gravação, Andressa reforça o temor dela de que o pai deixe Natal e vá para Brasília. “[…] Tem que entrar com o negócio aí, porque se o processo sair daqui […], se o Juiz aceitar, meu pai pode ser transferido pra Brasília, e aí, olha a merda”, afirma ela no áudio interceptado pela PF.
Ela ainda firma que Henrique Eduardo Alves estava “abalado”, na ocasião, por uma decisão contrária da Justiça. A filha do ex-ministro também mostra preocupação com a lentidão do processo e diz que tem pressionado o advogado Marcelo Leal, que faz a defesa de Henrique Alves, para agilizar o trâmite no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“[…] Na minha cabeça, ele tem que dar prioridade para o meu pai, porque meu pai é um réu preso cara, sem motivo, olha a idade do meu pai, entendeu?”, questiona Andressa ao irmão.
No diálogo com o seu irmão Eduardo, Andressa ainda afirma que é necessário agilizar o que ela chama de “negócio no STJ”. “Esse negócio do STJ, tem que entrar o quanto antes, não dá pra esperar quinze dias, dez dias, entendeu”, diz ela.
Como revelou o Blog, a PF suspeita, ao interceptar outras conversas em outubro, que o senador Garibaldi Alves, primo de Henrique Eduardo Alves, Andressa e outros familiares buscaram ajuda do ex-presidente José Sarney para conseguir uma “soltura antecipada” do peemedebista, influenciando o julgamento de um habeas corpus na corte.
Já no diálogo interceptada em agosto pela PF, que o blog reproduz a seguir, Andressa afirma ao irmão Eduardo que o advogado Marcelo Leal chegou a chamar a atenção dela para as mensagens que ela enviava no celular. Segundo a filha do ex-ministro, ela respondeu que não mandaria mais.
No relatório entregue em agosto, a PF destaca ainda que, ao final da ligação, Andressa pede a seu irmão Eduardo que “fale com uma pessoa para conversar com algum conhecido, bem como cita ainda que [o advogado] Marcelo Leal possui [alguém] que falaria quando pedisse, sugerindo no sentido de agilizar uma votação no STJ”.
O ex-ministro e ex-presidente da Câmara permanece preso na Academia de Polícia Militar do Rio Grande do Norte, onde tem reclamando apenas da “água fria” da prisão, conforme revelou uma terceira transcrição de diálogo gravado e obtida pelo Blog.
Na ligação realizada em agosto, a família de Henrique Alves se preocupa de estar falando no telefone “normal”, assim como ocorreu nas interceptações relacionadas à “tentativa antecipada” da soltura do peemedebista. “Seu irmão desconversa para não falarem maiores detalhes na ligação”, diz a Polícia Federal no relatório.
Veja abaixo a íntegra da ligação:
ANDRESSA: e aí, tá viajando já?
EDUARDO: acabei de chegar no aeroporto
ANDRESSA: ah, você nem escreveu nada pro papai
EDUARDO: eu escrevi pra Laurita, um monte de coisas para ela passar pro meu pai
ANDRESSA: ah, como é que ela vai passar se ela não tem impressora, reenvia aí o que tu escreveu pra ela, que eu imprimo aqui e levo pra ele amanhã
EDUARDO: tá, mas acho que dá para melhorar, eu escrevi mais pra ela assim (…)
ANDRESSA: então escreve alguma coisa aí… escreve alguma coisa aí e daí eu pego e mando pra ele, eu vou levar amanhã
ANDRESSA: é, o Bruno falou que (…), o cara indeferiu, não deu monocraticamente
EDUARDO: é, você falou, eu sabia, o cara não dá essas coisas assim não, morrendo de medo, todo mundo
ANDRESSA: então manda aí, um negócio, alguma coisa que ele vai gostar, ele tá meio abalado hoje, por conta disso, entendeu? não sabe mais quanto tempo, tal
EDUARDO: aí pra Turma é o que, vai ser quanto tempo? semana que vem
ANDRESSA: pois é, não sabe, não sabe
EDUARDO: mas mesmo assim, se ganhasse ia até o outro ainda? não é
ANDRESSA: é, mas o outro entra automático, entendeu? o problema é que o Marcelo quer tirar o processo daqui, se tirar o processo daqui, papai pode ser transferido, e tem prazo, é até o dia quatro que tem que tirar o processo daqui
EDUARDO: mas Marcelo tá chegando aí hoje, né?
ANDRESSA: não, Marcelo tá aqui já pra falar com meu pai, eu e Laurita, a gente não concordou não. meu pai falou que não tem estrutura emocional pra tomar uma decisão dessa, que era pra “mim” ligar pra Laurita, e eu e ela decidir isso, que entrava hoje com esse negócio de competência ou se esperava mais uns dez dias que o Juiz deu de prazo, entendeu? pra todo mundo pra ele apresentar defesa, aí a gente pediu…
EDUARDO: e o Marcelo acha o que?
ANDRESSA: Marcelo acha que se entrar hoje, eu e Laurita, a gente não concordou, não tem diferença nenhuma entregar hoje, só vai ter que o Marcelo vir aqui mais uma vez
EDUARDO: aí ele tá lá com meu pai, é isso?
ANDRESSA: é, meu pai falou que ele sozinho não toma essa decisão não, que ele vai ouvir a mulher e a filha dele, entendeu? aí eu liguei pra Laurita, aí meu pai falou: “ligue pra Laurita, conte com ela, o que vocês duas decidirem aí eu topo, eu não tenho emocional pra decidir isso”, ele não quer ir pra Brasília, nem passa pela cabeça dele ir, agora se o processo sair daqui, fudeu, aí eu tava querendo agilizar, vê se o STJ vota antes do dia quatro, que é o prazo que termina aqui, entendeu? agora eu não sei se isso demora, se não demora, se pode ser semana que vem, não entendi isso não
EDUARDO: o Marcelo fica aí até quando?
ANDRESSA: vai embora amanhã, cinco da tarde, que é o voo dele, ele ia [estar] com o Juiz agora cinco da tarde, só que o Marcelo é meio cismado comigo né, porque eu fico mandando mensagem pra ele, não ia mandar, tem que ficar tranquilo, tal, só que assim cara, tem que alguém cobrar as coisas, que ele não tem só meu pai como cliente, entendeu?
EDUARDO: e ele falou com você?
ANDRESSA: não, ele falou: “Andressa, eu me preocupo muito com você, você fica mandando muita mensagem, não sei o que”, falou isso, entendeu? falei: “não, beleza, eu não vou mais mandar mensagem não”, só que na minha cabeça, ele tem que dar prioridade para o meu pai, porque meu pai é um réu preso cara, sem motivo, olha a idade do meu pai, entendeu?
EDUARDO: não, ele tá dando, fazendo o que pode
ANDRESSA: tá dando, mas tem que agilizar esse negócio do STJ, tem que entrar o quanto antes, não dá pra esperar quinze dias, dez dias, entendeu? que tem que entrar com o negócio aí, porque se o processo sair daqui, o Juiz pode aceitar que o processo saia e pode aceitar que o processo não saia, se o Juiz aceitar, meu pai pode ser transferido pra Brasília, e aí, olha a merda, Marcelo falou que tudo pode acontecer, entendeu? hoje a realidade é essa, que a gente esperava que o cara desse monocraticamente, não deu, vai levar pra Turma, a Turma tem um prazo aí de dez a quinze dias, não sabe se é esse tempo, entendeu? pode ser mais, pode ser menos, tem que se trabalhar ainda, o Marcelo tem que correr atrás, só que quando ele chega em Brasília, tem mil cliente, mil coisas pra resolver, aí fudeu, aí você não vai tá em Brasília também, aí fudeu mais ainda
EDUARDO: não, eu não ajudo em nada, vou fazer o que?
ANDRESSA: não, mas tipo assim, (…) lá nos bastidores, ir aqui ir ali, falar com Carlinhos, ir no outro lado, perguntar se pode agilizar
EDUARDO: não, Carlinhos não ajuda em nada
ANDRESSA: não, mas Marcelo, Marcelo Leal deixou uma pessoa lá, amigo dele pra falar quando pedir
EDUARDO: Andressa, não vou falar agora não, tô nem falando em (…) normal, depois eu ligo pra você.
ANDRESSA: tá, beleza, ah é, nem lembrei
EDUARDO: vou mandar a carta
ANDRESSA: manda a carta tá
Procurado pelo Blog, o advogado de Andressa, Erick Pereira, afirma que não pode comentar as informações porque elas estão sob sigilo. Segundo ele, quando o sigilo da investigação for retirado pela Justiça, as explicações serão feitas para a coluna.
O advogado de Henrique Alves, Marcelo Leal, afirmou que havia traçado a estratégia para que o habeas corpus relacionado ao processo de Brasilia fosse julgado antes de um HC no Rio Grande do Norte para que, tecnicamente, não caísse um dos fundamentos para a manutenção dele em Natal. “Essa é uma decisão técnica e jurídica”, disse Leal.
Henrique Alves foi alvo de duas operações no mesmo dia, em junho, quando teve dois mandados de prisão contra ele, um dentro da Manus, um desdobramento da Lava Jato, e outro relacionado à Cui Bono, daí a existência de dois processos.
Marcelo Leal afirma também que, em relação a transferência do ex-ministro para Brasília, isso sempre foi uma preocupação da família, radicada no Rio Grande do Norte, e da defesa, já que é direito do preso cumprir a prisão próximo de parentes.
Segundo advogado, a preocupação com as mensagens, citada por Andressa na ligação, não se referia ao conteúdo delas, mas ao volume, que, de acordo com o defensor, atrapalhavam o exercício da defesa.
Marcelo Leal ainda afirma que tem uma equipe de advogados e estagiários com ordem para, de fato, agilizar os processos nos tribunais, ainda mais se tratando de réu preso. “Não só não há nenhuma ilicitude nisso como é o que se espera de uma advocacia diligente”, afirmou o advogado criminalista.