06/04/2019
08:36

POR LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO

Ainda é cedo para a análise dos números. Mas o impacto do governo Bolsonaro nos índices de letalidade policial é fenômeno a ser investigado.

O discurso inflamado do candidato contra a bandidagem, que reverbera depois da posse, o desprezo por valores humanistas, a tolerância retórica para com os pecados eventualmente cometidos e a afinidade quase religiosa que o capitão mantém com amantes de armas e de extermínios criam uma zona aparente de conforto para forças de segurança, elevando o ânimo das tropas.

A curva da letalidade policial é ascendente —segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o número de mortes decorrentes de intervenções policiais (em serviço e fora de serviço) cresceu de 2.212 (2013) para 5.159 (2017). No Brasil, governantes mais ou menos conservadores ou progressistas não se diferenciam por políticas públicas de combate à violência e não costumam se incomodar com morte de suspeitos. Mas, de fato, agentes de segurança consideram-se, hoje, no poder.

O Rio de Janeiro, terra generosa e capaz de acolher a carreira política dos paulistas Jair Bolsonaro (PSL) e Wilson José Witzel (PSC), é onde mais se extermina. Policiais mataram 1.444 pessoas entre janeiro e novembro de 2018.

Se no primeiro bimestre de 2019 caiu o número de homicídios no Rio (e não faltarão tentativas de relacionar os dois eventos), o número de mortes por policiais bateu recorde histórico: 305 óbitos, um a cada quatro horas e meia.

O novo componente na equação da violência urbana é o pacote anticrime desenhado por Sergio Moro e encaminhado ao Congresso.

O artigo do presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, sobre papéis que a Folha obteve com base na Lei de Acesso à Informação, detecta, na “exposição de motivos”, a visão perigosa do ministro da Justiça. É uma minuta do texto que faria parte do inteiro teor do projeto de lei 822/2019, publicado no site da Câmara dos Deputados.

A Polícia Federal, registre-se, afirmou-se impossibilitada de fornecer as informações solicitadas pelo jornal, “pelo risco de comprometimento de sua capacidade investigativa”, o que ilustra o ambiente de penumbra que marca o funcionamento das instituições policiais.

Na tentativa de justificar a injustificável mexida nos dispositivos do Código Penal que cuidam da legítima defesa, a mensagem de Sergio Moro ao presidente da República formula um silogismo precário e odioso: como está em permanente risco, como atua em comunidades sem urbanização, como não consegue distinguir “pessoas de bem dos meliantes”, o agente policial precisa de “proteção”, para que “não tenhamos uma legião de intimidados pelo receio e dificuldades de submeter-se a julgamento em juízo ou no Tribunal do Júri”.

Moro sabe usar o apelo popular e faz propaganda enganosa ao defender o direito de o policial reagir ao bandido que porta fuzil. Parece razoável? Mas o seu pacote oferece algo muito diferente: isenta de responsabilidade penal atos criminosos como o abate de inocentes ou culpados, os tiros a esmo, as balas perdidas, os excessos inescusáveis, o tratamento, enfim, de “pessoas de bem” como se “meliantes” fossem.

Moro proclama a imunidade dos agentes de segurança, legitimando palavra de ordem conveniente à banda podre das polícias, de quem se converte em poderoso aliado. Mais grave que policial corrupto é policial assassino. Aliás, eles costumam andar de mãos dadas.

Folha de S.Paulo

Publicado por: Chico Gregorio

0 Comentários

Deixe o seu comentário!