Por Fernando Antonio Bezerra
Mesmo não tendo lido tanto quanto gostaria, sei que não faltam informações, textos, dramas e até fotografias sobre o tema. São incontáveis os relatos, aflições e sonhos descritos entre as agruras de uma seca e as esperanças do inverno. Uma leitura necessária, por exemplo, está no livro “Meninos de Sítio” escrito pelos irmãos Celina, Laércio e Safira Bezerra, filhos da clarividência e da tradição de José Bezerra da Fazenda Baixio (*1879 +1964) e de Maria Dina (*1900 +1992). Dentre outras páginas de maravilhosa descrição da cultura sertaneja e da própria história da família, os autores relatam a convivência com a seca que se iniciou em 1941: “O gado começava a emagrecer, olhar triste, leite escasso… Cavavam cacimbas no leito seco do rio para a água de casa e dos animais. A palavra de ordem era economizar. Economizar tudo!”
O gado começa a emagrecer, olhar triste, leite escasso… |
Os que nos antecederam sabiam: o ano de seca, mesmo não sendo uma grande novidade, não era um período normal. Era tempo de otimizar gastos, priorizar esforços: “o feijão e o milho, guardados em grandes silos, eram cautelosamente, calculadamente gastos”, relata a memória de Celina e Laércio Bezerra que, ainda, noticiam: “1942 foi terrivelmente seco e 1943 completou o terceiro ano consecutivo de seca, como já ocorrera em 1931,32 e 33”.
A luta para quem enfrenta uma seca não é nada fácil! Mesmo hoje com o rebanho diminuído, campo despovoado, novos hábitos com o domínio de uma cultura mais urbana, a luta – para os que a enfrentam – ainda lembra a notícia mais comum naquela época: “tem uma rês caída!” Quando um animal se amofina com fome e sede, o coração do criador também sangra de tristeza. Além de ser seu sustento é, não raro, alguém que ele conhece pelo nome. A propósito, Artéfio Bezerra da Cunha (*1888 – +1971) conta em “Memórias de um Sertanejo” que estava na Fazenda Trapiá de seu padrinho Guilherme José, entre a divisa do Rio Grande do Norte e Paraíba, depois de Serra Negra do Norte-RN, “quando chega Chico Rafael e diz: ‘tio Guilherme, mande uns homens até na cachoeira ver se conseguem retirar de dentro do tanque grande a vaca Bugari que magra, sem forças, foi beber acolá, escorregou no lajeiro e está caída dentro do tanque”. E, infelizmente, muitos são os momentos onde não há o que fazer. O tabuleiro fica cinza, sem verde, sem pasto, sem esperança.
Chega, então, o tempo das retiradas. Quem tem para onde ir, mesmo sabendo dos riscos, aposta em retirar o gado para alguma terra onde espera encontrar melhores recursos para salvar uma semente da criação. Mas, não apenas retiradas de gado. Em 1889 o jornal “O POVO”, pesquisado por Olavo de Medeiros Filho, a quem o Seridó deve muitas homenagens, publicava: “Cada dia se avoluma mais e mais a corrente migratória das serras de cima (Martins, Port’Alegre, Catolé, etc.), com direção aos Brejos uns, e sem destino outros. Calcularíamos em trinta a média diária dos emigrantes que aqui tem passado de umas três semanas a esta data. O governo deve conter o povo em seus municípios, empregando-o em serviços, como açudes, que dispensam essa pomposa multidão de engenheiros, ajudantes, escreventes, etc., etc., com o que sempre dispende muito. Com isto poupará o despovoamento da província, o desequilíbrio das suas finanças e a peste não encontrará ocasião propícia para fazer seus horrorosos estragos, como sucede em todos os anos de seca.” A notícia – que não parece de toda improvável nos dias de violência, seca e crise que vão chegando – foi publicada no dia 25 de maio de 1889.
Mas, o Seridó vai reagindo e aguentando as pancadas, mas olhando para 2016 com uma desconfiança danada! De todo modo, conta com a força, a fibra e a fé de seus filhos e filhas. Seridoenses como Vauban Bezerra de Faria (*1924 – +2006) – filho de Artéfio, já mencionado – que, mesmo tendo feito vida profissional fora do Seridó, voltou para sua terra na maturidade dos anos e sabendo da proximidade de sua partida para o horizonte que a fé nos faz enxergar, mandou preparar seu túmulo com as terras dos açudes de sua infância. Homens e mulheres, portanto, que amam o torrão natal, mesmo com tantas dificuldades, e perseguem a esperança que amanhã o grito – pela água e pela vida – seja ouvido. Aliás, grito para ser ouvido aqui, mas, nenhum mal fará que também a Deus sejam feitas preces e, cada vez, por mais gente… Quem for de crença, puxe a reza. Já está na hora!
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