Diante de medidas recentes do governo do presidente Jair Bolsonaro, organizações não governamentais e redes varejistas europeias vêm endurecendo o discurso a favor do boicote a produtos agroalimentares brasileiros. De 1 mês para cá, movimentos do tipo têm ocorrido na Alemanha e no Reino Unido. No ano passado, houve boicote também na Suécia. Fora da Europa, uma organização nos Estados Unidos pede medidas semelhantes.
Na 6ª feira (19.jun.2020), a Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia, quer uma estratégia mais incisiva para evitar que produtos oriundos de áreas de desmatamento na Amazônia cheguem a prateleiras dos supermercados de países do bloco.
A situação preocupa o governo brasileiro. Em junho de 2019, no contexto da comoção internacional decorrente das queimadas na Amazônia, o Itamaraty enviou circular às embaixadas solicitando informações a respeito de eventuais boicotes sendo observados em outros países.
Pouco antes, em 27 de maio de 2019, a Embaixada do Brasil em Estocolmo, na Suécia, havia reportado ao governo Bolsonaro que a rede de supermercados Paradiset tinha decidido retirar os produtos de origem brasileira de suas prateleiras em decorrência da aprovação, nos 5 primeiros meses da gestão Jair Bolsonaro, de 169 novos pesticidas pelo Ministério da Agricultura –recorde desde 2005.
Neste ano, de 20 a 25 de maio, o tema voltou à tona nos telegramas de embaixadas brasileiras. Mensagens emitidas pelos postos de Roma, na Itália, e Londres, na Inglaterra, observaram o surgimento de novos movimentos de boicote a produtos nacionais. Uma dessas cartas afirmava que o veto a produtos brasileiros por redes britânicas de supermercados –e filiais de empresas alemãs no Reino Unido– estava condicionado à aprovação do Projeto de Lei 2.633 (antiga Medida Provisória 910), o chamado “PL da grilagem”, que prevê regularização fundiária de terras ocupadas da União.
Outro telegrama citava 1 estudo realizado pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), que prevê que a medida, se aprovada, aceleraria o desmatamento de 11.000 a 16.000 km² da Floresta Amazônica. A mesma carta informava que as redes inglesas de supermercados podem se sentir compelidas a aderir a 1 boicote, se o Brasil aprovar uma legislação que propicie o aumento do desmatamento.
Os documentos enviados ao Itamaraty citavam uma carta, publicada em 19 de maio e assinada por 47 empresas, grupos e associações empresariais com operações do Reino Unido –entre os signatários, companhias como Burger King e Tesco. Direcionada aos deputados e senadores brasileiros, o texto citava os incêndios florestais recordes de 2019 e informava estarem os empresários “profundamente preocupados” com o “PL da grilagem”.
A carta encerrava com uma ameaça velada de boicote. “Queremos continuar a buscar e investir no Brasil. […] Instamos o governo brasileiro a reconsiderar sua posição e esperamos continuar trabalhando com parceiros no Brasil para demonstrar que o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental podem caminhar juntos.” Conforme telegrama enviado ao Itamaraty, os signatários da carta representam 96,8% dos varejistas britânicos.
Em 9 de junho, o cenário ganhou novo episódio. A ONG alemã Campact lançou uma petição on-line pedindo que redes de supermercados boicotem produtos brasileiros se o “PL da grilagem” for aprovado. Conforme afirmou à DW Brasil a ativista Svenja Koch, da organização, até a manhã de 6ª feira (19.jun), 360 mil assinaturas foram coletadas para a petição.
“Duas redes de supermercados alemãs já assinaram: Aldi Süd e Rewe”, relata. “Pedimos que as diretorias das grandes redes de supermercados alemãs sigam o exemplo de muitos varejistas do Reino Unido e assinem uma carta aberta ameaçando boicotar produtos do Brasil se o PL for em frente.”
Ela vislumbra que as 5 grandes redes de supermercados da Alemanha participem, o que significaria 70% do mercado. “Eles são poderosos, e a decisão deles influencia o comércio internacional”, comenta.
REJEIÇÃO POR PARTE DE CONSUMIDORES
Mikael Linder, especialista em marketing agroalimentar e desenvolvimento rural e pesquisador da Universidade Livre de Bolzano, na Itália, afirma que tem se deparado com uma rejeição, tanto entre consumidores italianos como franceses, a produtos de origem brasileira.
“São pessoas que afirmam não desejar comprar, por exemplo, carne bovina brasileira, justificando que com isso estariam fomentando a destruição da Amazônia e outros prejuízos ao meio ambiente”, afirma ele.
Segundo informações obtidas por ele, vários supermercados europeus, atentos a esse fenômeno, estão reduzindo o espaço nas gôndolas para mercadorias brasileiras. “A médio prazo, isso pode afetar muito as vendas. A imagem do produto brasileiro está prejudicada”, diz o pesquisador.
Após questionamento sobre o impacto que tais movimentos podem representar para o comércio agroalimentar brasileiro, João Adrien, assessor para assuntos socioambientais do Ministério da Agricultura, afirmou que boicotes do tipo “somente prejudicam os produtores rurais que produzem com sustentabilidade e acessam o mercado internacional”.
“Afinal de contas, o desmatamento na região ocorre principalmente de atividades ilegais e não pela agricultura brasileira”, afirma, apontando que a deflorestação decorre de “problemas de regularização fundiária e ordenamento territorial”. “Tais embargos somente prejudicam a renda do produtor rural e a capacidade de investir em tecnologias ainda mais sustentáveis”, diz.
Em evento do Ministério ocorrido na 4ª feira (17.jun), Bolsonaro afirmou que, apesar do aumento do desmatamento na Amazônia, o país é 1 sucesso em termos de preservação. “Nós somos 1 exemplo na questão ambiental. Nos criticam lá fora de forma cruel e de forma não verdadeira”, afirmou.
Para o pesquisador Tiago Reis, que estuda ações de combate ao desmatamento e de uso do solo na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, os movimentos contra produtos brasileiros refletem a consciência do consumidor e vêm na esteira de outros ocorridos anteriormente.
“Veja por exemplo os movimentos de boicote a empresas que testavam produtos em animais, os boicotes a marcas famosas de chocolate por estarem ligadas à destruição de habitats de orangotangos para produção de óleo de palma, empresas de café que usavam trabalho escravo, entre outros”, enumera Reis.
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