03/02/2019
08:27

A realidade vem se sobrepondo às promessas feitas pelo presidente Jair Bolsonaro antes de assumir a Presidência da República. É o que mostram os últimos passos do governo na política externa brasileira. Em pouco menos de um mês, já podem ser contabilizados recuos ou demonstrações de hesitação quanto a atitudes que eram dadas como certas.

Um exemplo é a transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Na condição de presidente interino, o vice-presidente Hamilton Mourão declarou na última segunda-feira que, “por ora”, não haverá remoção. Tal posicionamento se diferencia claramente do que afirmou, por exemplo, o filho do presidente da República, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), no fim do ano passado, em uma viagem aos Estados Unidos. Ele disse que a questão não era “se” haveria a transferência, mas “quando” isso ocorreria.

Essa possibilidade de mudança é vista com preocupação pelos exportadores brasileiros. Principais compradores de carnes do Brasil, os países árabes deixaram claro que não gostam da ideia e ameaçaram impor restrições ao comércio e a voltar atrás em investimentos programados em infraestrutura. Além disso, funcionários de embaixadas e consulados do Brasil em nações muçulmanas estão preocupados com sua própria segurança.

Também partiu do vice-presidente a notícia de que a Embaixada da Palestina em Brasília não será removida. Jair Bolsonaro chegou a dizer que o prédio era muito próximo do Palácio do Planalto e, por uma questão de segurança, os palestinos teriam de mudar de lugar.

Marcha a ré sobre China

Mourão, aliás, tem se esforçado em repetir o mantra de que o Brasil não vai intervir militarmente na Venezuela. De 2002 a 2004, ele foi adido militar naquele país.

As ressalvas em relação à China, demonstradas em algumas ocasiões por Bolsonaro, parecem ter terminado. As relações entre o Brasil e os chineses não foram afetadas. Ao contrário, uma comitiva de parlamentares do PSL — partido do presidente da República — esteve recentemente naquele país a convite de Pequim.

Outro ponto diz respeito ao Mercosul, que era bastante criticado por Bolsonaro e sua equipe, como o economista Paulo Guedes (atual ministro da Economia). Ele chegou a dizer, em uma entrevista, que o bloco não era uma prioridade. O Mercosul voltou a ter destaque na política externa a partir da visita a Brasília do presidente argentino, Mauricio Macri, dias após a posse de Bolsonaro. O discurso final é que o bloco será flexibilizado, porém, fortalecido.

Também houve mudança no discurso em relação ao meio ambiente. Se, antes, a saída do Brasil do Acordo de Paris era praticamente dada como certa, há cerca de dez dias, durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, Bolsonaro disse para o mundo que o país, “por ora”, continua sendo signatário do acordo. Com a tragédia de Brumadinho (MG), causada pelo rompimento da barragem da Mina do Feijão, dificilmente o presidente brasileiro dará um passo atrás em relação ao meio ambiente, acreditam fontes do governo.

Em termos de política externa, a única medida concreta tomada até agora foi a saída do Brasil do Pacto Mundial para a Migração. Bolsonaro tentou, mas não conseguiu, transferir Cesare Battisti para a Itália. Foragido, ele foi entregue às autoridades italianas pelo presidente da Bolívia, Evo Morales.

— Paulatinamente, Bolsonaro vem reformulando as teses de política externa da campanha. O presidente é responsável pela política externa, mas tem limitações ligadas aos interesses do país — afirmou Antonio Celso Alves Pereira, cientista político do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

‘Dia a dia exige realismo’

Para Pereira, somente quando ficarem mais claras as diretrizes da política externa brasileira será possível saber, por exemplo, como serão as relações entre o governo e o Congresso. Dentro do sistema democrático, enfatizou, as principais forças políticas não são independentes para fazerem o que bem entendem.

— A realidade tem mais força do que essas declarações genéricas e teóricas. A realidade se impõe porque o dia a dia da política externa exige declarações pragmáticas e realistas, de acordo com o que vem sendo negociado. Não podemos fugir de uma certa lógica de negociação — disse Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos EUA.

O GLOBO

Publicado por: Chico Gregorio

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